quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A questão cultural no ensino de línguas

DISCURSO E IDEOLODIA NA APRENDIZAGEM DO INGLÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA

William Eduardo da Silva (ISAT)

Introdução

Ensinar uma língua é sempre uma experiência muito rica, mas aprender com quem se ensina torna-se algo ainda mais enriquecedor. A nossa sociedade vê-se a mercê da alienação e da dominação econômica dos países desenvolvidos. Por isso, muitas crenças, mitos e vozes vêm se estabelecendo no discurso alheio, demonstrando esse imperialismo econômico, cultural e lingüístico. A mídia e a tecnologia parecem ser os principais responsáveis por influenciar as grandes massas e determinar a supremacia de culturas estrangeiras no inconsciente coletivo.
Tendo como ponto de partida a cultura como discurso social, i. e., “o conhecimento social e habilidades interativas que se adicionam ao conhecimento do sistema da língua” (MCCARTHY & CARTER, 1994: 151); este trabalho tornou-se uma tentativa inicial de reflexão e conscientização da cultura de se ensinar e aprender uma língua, no caso, o inglês como língua estrangeira. Ao mesmo tempo, devemos lembrar o professor da sua responsabilidade enquanto educador na construção ideológica de seus aprendizes. Para tanto, comecei um projeto exploratório cujo objetivo era investigar as motivações e o papel da língua num grupo de aprendizes iniciantes de inglês como língua estrangeira a partir das narrativas produzidas por eles e que têm nos levado à busca do entendimento do poder que uma língua exerce sobre um determinado grupo de indivíduos.

No que se refere a uma melhor compreensão deste trabalho, recorro aos conceitos advindos da Lingüística Aplicada (ALLRIGHT, 2003; KERN, 2000; MOITA-LOPES, 1996) e da Pedagogia Crítica (FAIRCLOUGH, 1989; FREITAS, 2000; PENNYCOOK, 1994). Ao observar os dados coletados neste primeiro estágio, pude notar a presença de concepções estereotipadas nos discursos dos aprendizes. O projeto consiste, primordialmente, em criar oportunidades de entendimento entre os participantes e rever os papéis desempenhados pelos mesmos através das práticas discursivas durante os nossos encontros.


Sobre o projeto exploratório

A partir de agora começo a relatar o interesse e alguns detalhes sobre o projeto que se originou a partir do contato inicial entre o professor-pesquisador e os seus alunos. 

A princípio, o contexto de pesquisa é uma escola de idiomas localizada num bairro suburbano da cidade do Rio de Janeiro. A escola adota uma abordagem sócio-construtivista. Nessa abordagem, princípios como a interação, o conhecimento e as experiências prévias, os aspectos culturais e a construtos identitários dos participantes são altamente valorizados (cf. NUNAN, 1999). Durante o processo de aprendizagem, tenta-se desenvolver a autonomia e a consciência crítica em torno da língua-alvo. Esses aspectos propiciam uma liberdade e conforto na maneira de constituir um diálogo real e franco.

Em dado momento da aula, o material usado sugeria uma discussão em torno do tema “A Importância de se Aprender Inglês” (Why learn English?). A tarefa consistia em listar razões pelas quais os aprendizes consideravam relevante o aprendizado do idioma.

O grupo formado por seis jovens alunos, entre 14 e 23 anos, deveria colocar suas razões usando as estruturas e o vocabulário praticados até então. Ao final da primeira aula, foi solicitado a eles, como tarefa, uma avaliação em português do conteúdo estudado (Accountability). Gerou-se, então, um novo diálogo em torno da importância de se aprender inglês. Foi pedido, então, que narrassem, por escrito, as razões discutidas.
As narrativas produzidas foram as seguintes:


Texto 1

Olá! Gostar eu até gosto de inglês, mas tenho algumas dificuldades, talvez por não ter encontrado ainda um método que gostasse ou me adaptasse. Já tentei no (Curso X) e no (Curso Y), mas no 2o período desisti! L! Quem sabe agora eu consigo concluir!!!
Meu nome é A***, trabalho em uma multinacional francesa chamada Leroy Merliss, sou assistente contábil e lá não preciso de inglês, mas no mundo aqui fora sinto-me um peixinho fora d’água. Não passei em algumas entrevistas por falta do inglês!!
Gosto muito de ouvir música (ñ alta) e gostaria e quero entender o que cantam! Quero poder conversar com meu irmão em inglês (ele estuda aqui no nível intermediário) e entender algumas expressões ditas no trabalho.
Na verdade busco o inglês para uma realização pessoal. Fiz faculdade de ciências contábeis, mas meu sonho (que vou começar a realizar semestre que vem) é fazer psicologia e o inglês aparece novamente nos livros, na internet, em pesquisas, etc.
Vou me dedicar em mais esse desafio!!


Texto 2 

Eu comecei a querer aprender inglês para trabalhar e também para tradução de músicas e da maioria dos programas da T.V. à cabo e eu quis fazer no (Curso Z) porque ele é à cara do Rock.
O inglês no colégio sempre me motivou à querer aprender mais, eu tenho estudado muito em casa e o (Curso Z), ou qualquer coisa que me ajude com inglês é bom. Eu não sou o aluno padrão, sou seqüelado e por isso preciso de ajuda maior.

Texto 3 

A muito tempo que eu tenho vontade de entrar em um curso de Inglês, pois sei que é a língua mais falada em todo o mundo. Como sou estudante de administração e pretendo continuar estudando, fazer um MBA, o Inglês se tornou indispensável para mim, o próprio mercado de trabalho que está cada vez mais concorrido, esta praticamente obrigando os candidatos a ter boa fluência em inglês.
E apesar de não gostar da língua, por achar a pronúncia muito difícil, decidi que vou aprender a amar esta língua, para facilitar o aprendizado.

Texto 4

Meu nome é K***, pra fala a verdade eu não gosto muito de inglês, mas entendo que é uma língua muito avançada e que hoje devemos ter um pouco ou conhecer um pouco de tudo. Eu resolvi fazer inglês porque meus pais estavam me enchendo o saco, pra mim fazer, eu já fazia inglês no colégio, mas sabe como é língua estrangeira em colégios públicos é uma porcaria eu entendia alguma coisa só que quando a professora pedia pra mim ler em voz alta não saia nada, eu também tinha interesse em inglês por causa das músicas, internet, propagandas e outras coisas. E agora eu quero fazer provas para colégios bons e preciso de inglês, é um pouco complicado, mas agora mas do que nunca preciso da Língua Inglesa, estou disposta aprende, pois preciso muito mostrar para os meus pais e para mim mesma que eu posso.
Eu vou conseguir!

Texto 5 

Eu quis aprender inglês, porque hoje em dia o inglês te sido muito importante no dia a dia, e como eu to fazendo técnico em informática, o inglês se tornou ainda mais importante, ainda mais futuramente.
E também pra entender as letras das músicas americanas, pra saber o que eu canto e o que toco também.

Texto 6 

Oi, Eu resolvi fazer o curso, porque eu acho legal, eu sempre achei importante falar línguas. Eu sempre sonhei em viajar eu acho as músicas bonitas e eu queria aprender cantar as musicas. E um dia conheci uma pessoa muito legal, e ai conversando com essa pessoa ela me deu maior força, porque ela fala várias línguas menos inglês. E eu falei para ela que o meu sonho é aprender falar inglês. Essa pessoa ficou muito feliz quando eu falei que me matriculei no curso de inglês. E no final do ano eu pretendo viajar.

Ao defrontar-me com essas opiniões, resolvi explorar um pouco mais o assunto. Na aula seguinte, levei algumas razões colocadas por eles em folhas separadas e pedi que discutissem o assunto entre si.
Os comentários anotados em um diário de pesquisa foram colocados pelos alunos como tendo uma relação direta com as narrativas produzidas e a ideologia de se aprender uma língua estrangeira:

Saber uma língua nos faz sentir membro ativo da sociedade em que nos encontramos;
O mercado de trabalho e as possibilidades de emprego exigem que se domine um idioma;
Precisamos nos adequar às novas formas de informação e tecnologia (e.g. A internet);
Uma língua se faz necessária aos estudos e às pesquisas na escola ou na faculdade” (contexto específico);

Saber uma língua estrangeira proporciona muitas formas de lazer (e.g. Ouvir e cantar músicas, assistir programas na tv a cabo, etc.);
Nossos pais nos obrigam a estudar um idioma mesmo que não gostando dele;
A impossibilidade de se aprender uma língua estrangeira na escola faz com que procuremos um local com uma metodologia que seja eficiente e satisfatória;
Possibilita a comunicação em viagens para o exterior;
Saber um idioma é uma forma de satisfação/realização pessoal;
Há dificuldades pessoais que devem ser vencidas para se aprender o idioma;

Levantou-se, novamente, uma discussão sobre a supremacia dos países falantes de língua inglesa como a Inglaterra e, principalmente, os Estados Unidos. Devido a essa hegemonia, o inglês alcançou o status de língua franca no final do século XX, e está se difundido em todo o mundo. Hoje, o mercado de trabalho requer profissionais capazes de se comunicar em outras línguas, especialmente em inglês.
Dentre essas e outras razões, muitas concepções estereotipadas se repetem nas práticas pedagógicas de muitos profissionais do ensino do idioma. Esses profissionais, por sua vez, ainda não se conscientizaram do papel político que assumem ao disseminar uma língua e o poder da cultura embutida nela. Assim, concordo com Pennycook (1994) ao afirmar que nenhuma proposta na educação de professores de inglês é política ou culturalmente neutra.
O que realmente pode nos afligir, ao meu ver, é crermos que tais convicções estão fortemente enraizadas no discurso, sendo tomadas como verdades por esses e outros sujeitos.


Ensino, aprendizagem e ideologia

Allwright (2003) afirma que devemos transpor o ideal de ensino e aprendizagem como ‘trabalho’ para ensino e aprendizagem como ‘vida’. A qualidade do discurso produzido em sala de aula deve ser um elemento revelador e gerador de entendimento intra e interpessoal.
Dessa forma, a tarefa primordial de um educador consciente seria buscar junto com seus alunos o entendimento no ensinar e no aprender, relacioná-los com o que devemos buscar no nosso desenvolvimento diário como seres humanos em nossa cultura.
Vivemos, pois, numa era em que a produção e reprodução da ordem social dependem em muito das práticas e processos de natureza cultural. O discurso é o gerador de significados, de práticas e de ideologias que permeiam a sociedade, onde a mídia é a transmissora e responsável no alavancar desse processo (cf. FAIRCLOUGH, 1989).
Na sala de aula onde nos encontramos diariamente, ideologias se alojam no imaginário e identitário coletivo criado a partir de práticas discursivas (cf. MOITA LOPES, 1996). Muitas dessas práticas ainda inibem o contato entre professor e aluno, determinando assimetrias no alinhamento dessas interações.
O ser humano consciente desenvolve relações de poder e determina a sua existência se desenvolvem através da linguagem. No que concerne essa consciência, Freitas (2000: 113) alega que “a essência humana não é uma abstração inerente ao indivíduo singular, mas é o conjunto de suas relações sociais”.
O contexto sócio-educacional e o educador deveriam otimizar maneiras de se trabalhar a relação pensamento-linguagem, pois, é nessa relação, um processo dinâmico, que se encontra na origem do desenvolvimento dos sujeitos (FREITAS, op. cit: 92).
Os textos produzidos pelos alunos, por exemplo, exteriorizaram uma subjetividade massificada que está presente no discurso da aprendizagem de uma língua estrangeira, e presentes no subjetividade da sociedade em que convivem. Nesse viés, Chnaiderman (1998: 47-67) relaciona a teoria “freudo-lacaniana’ a esta subjetividade, colocando que

inconsciente é parte constituinte da subjetividade; a subjetividade é múltipla, não totalizável no indivíduo e é modelada sócio-historicamente através de processos estruturantes de identificação; a identidade do sujeito se dá na alienação fundante do simbólico como imagem e representação

Todos esses indícios me levam a evidenciar um processo de dominação por fatores sócio-historicamente constituídos e difundidos através das culturas de massa e do processo de globalização mundial. As imagens e representações difundidas através desses veículos fazem com que introjetemos determinadas concepções e comportamentos. Serrani-Infante (1998: 256) friza que determinadas representações intradiscursivas formam estereótipos, etnocentrismos, idealizações, etc. Cabe a nós a tarefa de reconhecer tais traços ideológicos e de criar oportunidades que revelem tais concepções para serem vistas criticamente.


Considerações finais

O projeto de investigação relatado aqui é uma tentativa inicial de se criar oportunidades de trocas sócio-culturais no processo ensino/aprendizagem de língua. Os participantes (o professor e os alunos) puderam iniciar um diálogo a partir da discussão de crenças estabelecidas no coletivo social e começar a desenvolver um censo crítico em torno da aprendizagem de uma língua estrangeira.
O próximo passo do projeto será o desenvolvimento de uma pesquisa-ação com os participantes. O diálogo desenvolvido a partir do primeiro contato com os participantes do grupo resultou num despertar, num novo olhar no processo ensino/aprendizagem tanto do professor-pesquisador quanto dos alunos.
Espero que este exemplo de prática pedagógica, simples mas enriquecedora, possa contribuir para o entendimento da ideologia de se aprender uma língua estrangeira, nesse caso, o inglês, e a importância das práticas discursivas e identitárias que ocorrem na sala de aula.



Bibliografia


ALLRIGHT, D. Six Promising Directions in Applied Linguistics. Rio de Janeiro: IPEL/PUC, 2003.
CHNAIDERMAN, M. Língua(s)-linguagem(ns)-identidade(s)- movimento(s). In: SIGNORINI, I. (org). Língua(gem) e Identidade. São Paulo: Mercado de Letras, 1998.

FAIRCLOUGH, N. Language and Power. London: Longman, 1989.
FREITAS, M. T. A. Vigotsky. In: Vygotsky e Baktin: Psicologia e Educação: Um Intertexto. São Paulo: Ática, 2000.
KERN, R. Language, Leaning and Literacy. Cambridge: CUP, 2000.
MCCARTHY, M. & CARTER, R. Language as Discourse: Perspectives in Language Teaching. Nova Iorque: Longman, 1994.
MOITA-LOPES, L.P. Oficina de Lingüística Aplicada. São Paulo: Mercado de Letras, 1996.
NUNAN, D. Second Language Learning and Teaching. Boston: Heinle & Heinle, 1999.
PENNYCOOK, A. The Cultural Politics of English as an International Language. Londres: Longman, 1994.
SERRANI-INFANTE, S. Identidade e segundas línguas: as identificações no discurso. In: SIGNORINI, I. (org). Língua(gem) e Identidade. São Paulo: Mercado de Letras, 1998.


Obs.: Texto disponível em: http://www.filologia.org.br/soletras/8sup/2.htm